Cersibon, o mundo em perigo

Lembro que quando um amigo me mandou o link de um blog chamado Cersibon pela primeira vez, achei uma merda. Fiquei puto - achei que ele estivesse me zoando; que tinha feito qualquer coisa no Paintbrush - isso ainda existe? - e enviado pra encher o meu saco. Esse foi meu primeiro contato com o trabalho do designer carioca Rafael Madeira.

Mas aí com o tempo vi que muita gente achava aquilo demais. Os diálogos quase ininteligíveis em 'tiopês' - a famigerada linguagem escrita virtual - e os desenhos toscos que compõe as tirinhas do cara fizeram a cabeça da galera. São mais de 1000 acessos diários em busca de atualizações do humor peculiar de Rafael, o que ele considera “um sinal de que o mundo está realmente em perigo”. De lá pra cá ele deu algumas entrevistas, fez camisetas e até aproveitou o hype para ganhar um troco desenhando banner para um site de moda. Oito meses depois, como um bebê prematuro, ele voltou a publicar suas tiras deformadas, dessa vez num novo endereço. Trocamos uma ideia com o Rafael por MSN pra tentar entender qual sinapse falhou na cabeça dele pra que ele criasse essa pérola. Saca só.

Vice: Cara, conta aí um pouco da história do Cersibon.
Rafael Madeira: Na verdade não tem muito para contar. Uma madrugada eu estava entediado, sem nada de legal para ver na internet, então comecei a ver tirinhas novas. Tanto as que saem em jornais, como as publicadas em sites e webcomics independentes. Aí fiquei impressionado com o quão ruim a grande maioria delas era e comentei com um amigo que ia fazer a pior tirinha da história, como protesto. Fiz em alguns segundos a primeira do Cersibon. Ele não soube nem como reagir, e aí eu vi que tinha acertado e continuei fazendo mais no mesmo espírito.

Sei, deixa eu ver se entendi, então. Como forma de protesto contra um mundo inundado por uma porrada de tirinhas ruins você decidiu criar uma mais tosca ainda?
Sim, é assim que eu funciono.

Interessante. Mas como você fez para que outras pessoas além de sua mãe gostassem disso?
Não sei! Até hoje eu acho uma coisa muito errada ter tanta gente assim que goste de Cersibon. Um sinal de que o mundo está realmente em perigo. Eu acho graça porque gosto de imaginar que a coisa é feita por uma pessoa que realmente desenha, escreve e pensa daquele jeito, e não vê diferença entre Cersibon e Snoopy, por exemplo. Essa é a mentalidade que eu sempre procuro encarnar quando vou fazer uma tirinha. Queria que as pessoas ficassem na dúvida sobre se elas eram feitas por alguém realmente retardado. Quando eu vejo Cersibon como uma tirinha feita com intenção de ser tosca, nonsense, em tiopês e tal, como se essa fosse a graça da coisa, dá até desânimo. É tipo aquelas pessoas que acham que a graça de Hermes e Renato é falar palavrão, por exemplo. Mas parece que isso é mesmo o que muita gente gosta: o fato que ela é uma tirinha bizarra. E só.

Se eu mal entendia o linguajar das tirinhas, agora parece então que não captei nem a essência verdadeira do humor do Cersibon. Se a graça não é a tosqueira nem o nonsense, qual é a piada?
[Risos] Viu! Eu não sei explicar muito bem. Em resumo, eu diria que é um estado mental. Tipo, para mim não tem nada mais engraçado que humor não intencional. Tosqueira não intencional, para ser mais específico. Coisas tipo Fabiano Dornelas, por exemplo. Ele não faz ideia do que está fazendo nem de como é percebido, embora saiba que recebe críticas, mas nem liga para elas. Porque ele é ele e pronto. O Fabiano poderia ser o autor do Cersibon. Outro exemplo, o bonecão do posto. Não o bonecão do posto em si, que não tem graça aquela merda, mas a ideia dele. Você imagina uma pessoa pensando, "Eu tenho que arranjar um jeito de chamar a atenção das pessoas, fazer uma publicidade barata e eficiente… Já sei!" e o resultado disso é o bonecão do posto? Eu queria estar lá para ver isso. Essa pessoa também poderia ser autora do Cersibon.
Você pode ver que a chave da coisa não é os erros em si, mas sim se perguntar o que acontece no cérebro dessa pessoa que a leva a escrever daquele jeito. Sempre que eu gosto muito de uma tirinha de Cersibon é porque eu fiquei me perguntando algo tipo, "O que aconteceu com essa pessoa pra sair isso?". Essa pessoa sendo esse autor imaginário que eu tenho na cabeça.

Opa, pera aí. Você é esquizofrênico?
Não sei, acho que não. Engraçado é que, nessa semana, vieram me chamar aqui em casa e eu ouvi, mas não dei atenção. Depois perguntaram por que a demora, e eu disse que foi porque eu não achei que fosse comigo, porque sempre ouço chamarem o meu nome. E a pessoa perguntou, "O que?! Você ouve vozes?!". Eu quis dizer para ela que tem alguém por aqui que também se chama Rafael, mas aquilo me fez perguntar se tem mesmo…

Lembra do Tarso, de Caminho das Índias? Ele tem esse mesmo dilema... [Risos] Ouvi falar. Eu gosto mesmo é do Gopal, se é que esse é o nome dele. Não vejo novela, mas sempre assisto às cenas dele no Youtube.

Sei, sei. Ou quando ‘está mudando de canal e acaba, por acaso, assim, sem querer, parando na novela’. Essa é a desculpa mais manjada do Brasil.
[Risos] Aqui a televisão fica em outro andar, em um quarto que eu nem uso mais. Realmente não vejo. Mas o que eu quis dizer com aquilo de 'autor imaginário' é que tem esse 'estado mental' que eu sempre tento acessar para fazer a tirinha. Alguém que não tem noção da própria bizarrice.

Falando em novelas, você disse antes que gosta do humor não intencional. Muitos folhetins televisivos não tem o objetivo de serem engraçados, mas acabam sendo, seja por serem bregas ou toscos em seus enredos, produção e o caralho. Seu humor sofre a influência delas? No que você se baseia, aliás?
A programação da TV aberta de madrugada é cheia disso. Agora não vejo muito, mas meu preferido sempre foi o pastor R. R. Soares, por exemplo. É o Sílvio Santos de Deus. De religioso também tem o Fala que Eu Te Escuto, que é um primor em tudo: pautas, dramatizações, apresentação e participações. Antigamente ele tinha um ar mais pesado, um tom bem mais fundamentalista, aliado a umas dramatizações muito toscas. Já perdi muito a hora da escola vendo a programação religiosa de madrugada. Mas o que eu mais vejo de uns tempos pra cá é Medalhão Persa. Se eu fizesse vídeos de humor, ia usar os princípios desse programa. Acho que ninguém ia achar graça, mas eu acho lindo. A primeira vez que vi foi quando um amigo e eu chegamos da noite e fomos dormir. A gente achou meio ridículo e começou zoando, mas uns 40 minutos depois a gente percebeu que estava entretido mesmo. Apreciando os detalhes do pingente de Turmalina e tal. Foi aí que eu passei a seguir.

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Saquei. Cersibon tem algum significado?
Não, foi só a primeira coisa que veio à mente, mesmo. Achei sonoro e coerente com a proposta.
Então você fez a sua primeira tirinha em "alguns segundos" e a batizou com o primeiro nome que veio à mente...

Quanto tempo em média leva para você criar uma nova história?
Agora eu levo uns 15 minutos no máximo, desde que sento para pensar no que fazer até ter algo pronto. Mas nenhuma tirinha foi tão rápida quanto a original [risos]. Talvez seja por isso que ela é a melhor até hoje, na minha opinião.

Você cria isso sóbrio ou rola aí umas ‘alterações de consciência’?
Ah, é sóbrio. Eu tinha um pouco de medo de drogas. Tentei fumar maconha várias vezes para ver como era, porque falaram que era a mais leve, não fazia mal nenhum e tal. Nunca funcionou, e eu sei tragar. Aí um dia eu estava em uma festa e serviram um brigadeiro lá que era o melhor brigadeiro que eu já comi. Além de delicioso, era gigante. Eu comi uns seis em um intervalo curtíssimo de tempo, até que me disseram para ir com calma, que era brigadeiro "espacial”, feito com maconha. Só aí eu parei de comer.
Enfim, dizem que maconha não causa alucinação, mas eu fiquei horas vendo coisas. Aí passei a ter muito medo de drogas e nunca mais usei. Também porque, apesar disso, foi muito bom, e se eu começasse não ia parar. Eu sou como aqueles ratos de experimentos que ficam apertando o botão de prazer o dia todo e morrem de fome. Por isso, sempre tenho muito cuidado com o que vou começar.

Deixando a Colômbia e voltando ao Cersibon, que porra de idioma é esse Garble que o Naldo, a Jesebel, o Glauco e toda a trupezinha deles falam?
O Garble não é bem só um idioma. Como o Cersibon, ele é mais um 'modo de vida'. É como se uma pessoa com muitos problemas de cognição estivesse tentando transmitir uma ideia em texto, mas também tivesse sérios problemas de digitação. Quem só tem acesso ao resultado final desse processo fica sem saber o que pensar, se perguntando o que tem de errado com aquela pessoa.

Você já ganhou dinheiro com o Cersibon?
Só com as camisetas que vendi (com ilustrações do Cersibon) e de um banner que fiz para um blog de moda. Menos de R$ 500 ao todo. Até tentei descontos com uns sites que fazem parceria de camisa para blog, mas quando disse que era para o Cersibon não recebi resposta. Acho que não tinha visita o suficiente para justificar a parceria com desconto, e também pela qualidade gráfica da coisa podem ter achado que não seria bom para o portfólio deles. Talvez o Cersibon não seja uma vitrine muito boa, não sei.

Mas o legal é que você desenha bem pra caralho! Aprendeu onde? Escola de Belas Artes de Paris, Londres, Florença? Ou na verdade quem faz tudo é seu primo de quatro anos que é pago em chocolates? Se bobear até com os tais brigadeiros que você disse ter experimentado...
Obrigado! Eu fiz um curso de desenho artístico do Instituto Universal Brasileiro, quando era criança, e outro de desenho livre no Oberg, na adolescência.

De nada! É de coração. Agora, em um ranking de tosquice/humor da internet brasileira, qual lugar você ocuparia? Uma posição atrás das freiras de Inri Cristo ou qual outra?
[Risos] Não sei. É difícil responder, mas me consideraria com sorte de estar tão próximo assim de Inri Cristo e seus seguidores.
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Abençoado você já parece ser, afinal fez uma tirinha em segundos que o transformou em uma das revelações do cyberhumor brasileiro em 2008. Mas, pelo que andei pesquisando, seu estilo é daquele que se ama ou odeia. Os fãs o chamam de gênio, enquanto os que te querem escalpado bradam “idiota!”. Como você se define, afinal? Bom, eu raramente chamo alguém de gênio, então certamente não usaria pra falar de mim. Eu acho que seria um bom idiota, não sei. Para mim, a palavra não tem todo esse estigma, justamente porque coisas ótimas do humor são feitas em cima de idiotas, ou idiotices. Não que eu esteja me caracterizando como uma coisa ótima do humor, mas enfim.
By: Bruno B. Soraggi
nov 25 2009
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